22 de abril de 2013

Dezanove e catorze

Éramos só mais um casal a namorar ao ar livre naquela tarde de Primavera.
Não era mais que habitual o beijo suave que às tantas ele me dava, a minha mão sobre a dele, que por sua vez descansava algures entre o meu leve vestido florido e a minha perna. O sol e o foco de luz que fazia incidir sobre nós, as gargalhadas das crianças que brincam como banda sonora.

- Sabes, é biológica a vontade que tenho que me agarres agora e me fodas aqui mesmo, mesmo que eu não queira. O que eu quero, lá no fundo. É biológico que me excite ao pensar que me podias meter ali de quatro sobre a relva, levantar-me o vestido, afastar-me as cuecas e penetrar-me de repente, sem querer saber de onde estás ou de quem assiste. É biológica a vontade que tenho de que me agarres pelas ancas e me puxes contra ti, sem dó nem piedade. Afinal, que raio de filhos fracos ia eu ter se nem sequer força para isso o pai deles tivesse?

Ele olhou para mim como se nada se tivesse passado naquele banco de jardim. Mais um suave beijo. A segunda mão sobre a minha.

- Sabes, é humano levar-te para casa e mostrar-te quem é o primeiro a fraquejar.

15 de abril de 2013

Uma e vinte e dois

Comprei um maço de tabaco.

Sentei-me na mesa mais próxima da máquina plantada naquele café mal iluminado. Abri o maço, tirei um cigarro e passei os meus dedos nele. Brinquei com aquele frágil vício por entre os dedos enquanto me debatia com o caus que se havia abatido sobre mim.

Chamei o empregado que limpava o balcão para matar o tempo.

- Não servimos à mesa.
- Não é que esteja demasiado ocupado para o fazer. Traga-me um whisky.

Reclamou entre dentes, mas veio.
Pousou o copo na mesa, paguei com uma nota.

- Fique com o troco.

Passei os dedos no bordo do copo. Fiquei assim por meia hora.
Levantei-me com o copo cheio. O maço de tabaco abandonado em cima da mesa.
Levantei-me e saí com aquele mero cigarro entre as mãos.

Observei a maneira como o ia fazendo girar entre os meus dedos enquanto seguia pelo passeio naquela noite fria.
Cessou o bater dos saltos na calçada. Tinha o cigarro na palma da mão.

"De qualquer modo também não tens lume."

Desfiz o cigarro na mão antes de a abrir para o libertar ao mundo.
Nunca fumei. Nem gosto de whisky.

13 de abril de 2013

Vinte e três e oito

Quero fechar os olhos no sossego de um dia de nada. Enroscada no conforto da despreocupação.

Fechar os olhos e ver negro.
Ver cores.
Ver caleidoscópios.
Ver o que se vê quando se mergulha no inconsciente.

Sentir na inconsciência.
Mover-me na inconsciência.

A pele arrepiada e o movimento involuntário.
Os lençóis despidos e o frio no corpo.

O calor.
O calor que me desperta a meio da noite fresca.
O calor que me cobre e me surpreende.

A consciência de que não bate certo com o que me conta o inconsciente.
A consciência de que não está certo, mas que sabe bem.

Sinto o teu cheiro.
Não abro os olhos.
Encaixo o meu corpo no teu, deixo-me à medida das tuas mãos.

Mas não abro os olhos.
Quero sentir-te como quem sente um sonho.

5 de abril de 2013

Uma e quinze

O sol raiava o dia e o sangue raiava-me os olhos.

Ninguém compreende quem não sentiu o mesmo que nós.
A dor nas escolhas, na consciência. O orgulho de sobreviver com a cruz às costas.
O cansaço.

As noites revoltas na cama, os dias mortos, o corpo amorfo.

A necessidade da adrenalina. Do bater do coração.
Dos erros desejados, dos perdões impossíveis, dos objectivos inalcançáveis.

Da carne. Do sexo. Do corpo marcado.
Da cama, do chão, do canto qualquer onde um grito de prazer afoga os gritos de dor que a alma carrega.

Por mim podia ser até num beco fedido.
De qualquer maneira, já estou fodida. E é tudo o que me apetece ser agora.

É o meu último consolo.